segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

E tempo para brincar?

As crianças trabalham hoje 40 a 45 horas semanais. A investigadora Maria José Araújo alerta para esta sobrecarga e as suas consequências no novo livro «Crianças Ocupadas - Como algumas opções erradas estão a prejudicar os nossos filhos».

Que opções erradas estão a prejudicar os nossos filhos? São opções dos pais ou do sistema educativo? Estamos a sobrecarregar muito as crianças em função da socialização escolar para resolver problemas que são dos adultos e não das crianças. Não acho que seja preciso arranjar culpados. Temos é de perceber o que andamos a fazer e respeitar o tempo da infância como um tempo que tem de ser vivido em função dos interesses das crianças e não dos problemas dos adultos.  
Diz que as crianças entre os seis e os 12 anos trabalham oito a nove horas diárias. Considera as Actividades Extra-Curriculares (AEC) trabalho? O excesso de trabalho para as crianças não tem directamente a ver com as AEC, embora também tenha. As crianças têm 5 horas de aulas e depois têm os TPC e ainda um conjunto de actividades diversas. Algumas têm também explicações. Não é só na escola. Muitas crianças frequentam imensas actividades no ATL, instituições privadas, ginásios, etc. Tudo somado dá muito trabalho e uma carga horária pesada. Uma das questões que levanto no livro prende-se com os «trabalhos de casa». No ATL muitas crianças têm imensos TPC, algumas chegam a passar uma ou duas horas por dia a fazê-los. Isto significa que o trabalho escolar se prolonga em casa ou no ATL. Para além dos TPC, têm imensas actividades em função da socialização escolar. Se as actividades que as crianças fazem depois do período escolar forem mais aulas, na verdade é mais trabalho para as crianças.  
As AEC tornaram-se mais aulas? Pensa que o conceito está errado, que estão a ser mal aplicadas ou que nem deviam existir? As AEC resultam de uma medida recente. Todas as medidas precisam de um tempo para ser avaliadas. A questão não é se devem ou não existir, porque isso depende das actividades, da forma como são feitas, das próprias crianças e do conceito que os adultos têm do que é ser criança. O que eu digo é que depois de um dia de escola as crianças têm direito a um período de descanso. Têm direito a brincar.
Diz também que os adultos estão a mandar no tempo livre das crianças e que estas precisam de um tempo em que podem escolher o que fazer. Qual seria a solução, tendo em conta que estão na escola e no ATL entre as actividades curriculares e a ida para casa? De uma maneira geral, os adultos acham que as crianças têm tempo livre e que eles têm o direito de o ocupar. Mas o contrário de tempo livre, não é tempo ocupado, como muitas vezes se diz. Porque o tempo pode ser ocupado com liberdade (quando as crianças podem ter uma palavra decisiva na escolha da sua ocupação) e sem liberdade (quando as crianças são vítimas de uma imposição ou escolha a que são totalmente alheias). Para tempo não livre já temos as aulas. Depois das aulas é bom que o tempo livre seja mesmo livre. Não faz sentido prolongar de tal modo as suas obrigações que não lhes deixamos tempo para brincar e descansar. Para serem crianças..
O tempo livremente ocupado, se a criança quer frequentar actividades fora da escola, como natação ou piano, não é uma sobrecarga? Se forem as crianças a escolher, não é tão cansativo. As crianças gostam de fazer actividades, tudo depende da forma como fazem. Algumas das crianças com quem trabalhei e ainda trabalho, referem que frequentam actividades que são escolhidas pelos pais e que assim não têm tempo para brincar.  
Há quem pense que as crianças trabalham pouco e critique a ideia de que tudo deve ser lúdico e que devem aprender a brincar. Há pessoas que ainda não conseguiram perceber a função essencial que a actividade lúdica tem na formação das crianças, no prazer, no bem estar... De uma maneira geral os educadores têm uma informação muito limitada do que significa brincar, acham que é uma actividade secundária. Mas para as crianças é essencial, é uma necessidade e um direito fundamental.
Mas é verdade que precisam de trabalhar para aprender? O esforço é um valor a reabilitar? Também precisam de comer para não enfraquecerem e não as obrigamos a comer demais. Se comem demais, obrigamo-las a fazer dieta. Actividades em função da escola os pais nunca acham que são demais. Há que ter algum bom senso. Perceber que são pequenas e que não aguentam tudo. Reabilitar não é a palavra certa porque as crianças trabalham muito. A falta de trabalho dos alunos relacionada com as aprendizagens escolares é denunciada como uma causa essencial de insucesso. No entanto, os alunos trabalham. Então, o que fazem quando trabalham? Precisamos de perceber melhor o que se passa pois as práticas dos alunos são ainda muito pouco conhecidas, tal como as suas consequências.  
Diz que, a pensar futuro, os adultos estão a hipotecar o presente dos filhos. Será por convicção ou porque não têm opção? De uma maneira geral os pais vivem ansiosos com o futuro das crianças e esquecem-se que elas têm de ter um presente. Têm de ser crianças... Como estão muito preocupados com o futuro acham que se as crianças trabalharem muito vão ter mais sucesso. Mas, na verdade, mesmo considerando que atribuir às crianças mais trabalho é para seu bem, e que mais formação dá sempre mais emprego, o trabalho escolar formal não deveria ter uma carga horária tão ou mais pesada do que a que tem a ocupação laboral para os adultos.  
Pensa que os problemas de comportamento e a indisciplina de que se queixam os professores podem estar relacionados com essa sobrecarga? Pode estar. Há já estudos que mostram isso. Falta de tempo para descansar, excesso de trabalho, stress...  
Esse excesso compromete o relacionamento da criança com o conhecimento? Pode levar a uma saturação em que já não lhe apetece aprender nada? Claro que pode.  
Que alternativa têm os pais que saem de manhã cedo para trabalhar, deixando as crianças no ATL e só voltam a estar com elas ao final da tarde? Que conselhos lhes daria? Os pais sabem bem o que é melhor para os seus filhos. As crianças são todas diferentes. O diálogo entre crianças e adultos, tentando perceber o que uns e outros gostam e querem fazer, é sempre uma opção que promove bem estar. Ouvir as crianças é fundamental.
Qual a distribuição de tempo ideal para uma criança em idade escolar? O
tempo de trabalho lectivo está já regulamentado. Nos nossos tempos de
adultos apressados precisamos de parar para pensar o que andamos a
fazer às crianças. O tempo da infância é um tempo livre prolongado, um
tempo longo para ser vivido. É respeitando os tempos das crianças que
lhes mostramos o quanto com elas nos preocupamos. Se escolarizarmos
precocemente estes seus tempos, se não resistirmos à homogeneização do
tempo livre, se não criarmos uma verdadeira ética do tempo livre, um
tempo que tem de ser vivido e não medido pela sua utilidade, estaremos
a prestar um mau serviço às crianças e, por consequência, a toda a
sociedade.

Sem comentários:

Enviar um comentário