sábado, 17 de outubro de 2009

A Escola é uma prisão

Crónica parcial de Peter Gray, professor de psicologia na faculdade de Boston que tem realizado e publicado várias pesquisas no campo da psicologia do desenvolvimento e psicologia educacional.


Porque é que os alunos não gostam da escola? Bem, não é óbvio?

Perguntem a qualquer aluno porque é que não gosta da escola e ele depressa dirá que a escola é uma prisão. Pode ser que não use estas palavras, talvez por ter sido bem educado em casa ou por já lhe ter sido feita uma lavagem ao cérebro em relação à escola, e ter passado a acreditar que a escola é para seu bem e, assim sendo, não poderia ser uma prisão.

Mas se decifrarmos bem a resposta a tradução geralmente é: "A escola é prisão". Deixem-me dizer isto mais umas vezes: A escola é uma prisão. A escola é uma prisão. A escola é uma prisão. A escola é uma prisão. A escola é uma prisão.

Qualquer pessoa que tenha frequentado a escola sabe que a escola é uma prisão, mas praticamente ninguém o diz. Não é “bonito” dizer-se isso. Andamos todos evitando dizer esta verdade, que a escola é uma prisão, porque dizer a verdade nos faz parecer tão horríveis. Como poderíamos nós, pessoas de bem, enviar os filhos para a prisão durante a maior parte dos primeiros 18 anos das suas vidas? Como poderia o nosso governo democrático, que se baseia nos princípios de liberdade e auto-determinação, fazer leis exigindo que todas as crianças e adolescentes passem grande parte dos seus dias numa prisão? Seria impensável, por isso esforçamo-nos tanto para evitar pensar nisso. Ou, se pensamos, pelo menos não o dizemos. Quando falamos sobre o que está errado nas escolas, fingimos não nos aperceber desta realidade e em vez disso falamos sobre outras coisas.

Mas eu acho que está na hora de dizermos em voz bem alta. A escola é uma prisão. Se acham que não então expliquem por favor qual é a diferença. A única diferença que consigo pensar é que para irmos parar à prisão temos que cometer um crime, mas devido apenas à nossa idade somos forçados a ir para a escola. Nos outros aspectos a escola e a prisão são iguais. Em ambas somos despojados da nossa liberdade e dignidade. Em ambas dizem-nos exactamente o que fazer, e somos punidos se não obedecermos. A verdade é que na escola passamos mais tempo fazendo exactamente aquilo que nos dizem para fazer do que nas prisões para adultos, por isso, nesse sentido, a escola é pior do que a prisão.

Todos nós que frequentámos a escola sabemos que ela é uma prisão. Como poderíamos não o saber? Mas racionalizamos a situação, dizendo (geralmente não com estas palavras) que as crianças necessitam deste tipo específico de prisão e que até poderão vir a gostar dela desde que esteja bem organizada. De acordo com esta racionalização, se as crianças não gostam da escola não é por a escola ser uma prisão mas porque os guardas não são suficientemente gentis, divertidos ou inteligentes para manter as mentes das crianças adequadamente ocupadas.

Mas quem sabe um mínimo sobre crianças e tem a coragem de pensar honestamente deveria ser capaz de não se deixar iludir por esta racionalização. As crianças, tal como todos os seres humanos, anseiam pela liberdade. Elas odeiam ter a sua liberdade restringida. E em grande medida usam essa liberdade precisamente para se educarem. Estão biologicamente preparadas para fazer isso. Brincando e investigando livremente elas aprendem sobre o mundo físico e social em que estão crescendo. Na escola, pelo contrário, dizem-lhes que têm que parar de seguir os seus interesses e em vez disso fazer apenas o que o professor lhes disser que têm de fazer. É por isso que não gostam da escola.

Como sociedade, poderíamos, talvez, racionalizar o modo como forçamos as crianças a irem para a escola se pudéssemos demonstrar que elas precisam deste tipo específico de prisão a fim de adquirir as competências e os conhecimentos necessários para se tornarem bons cidadãos, para serem felizes na vida adulta e para arranjarem bons empregos. Muitas pessoas, talvez a maioria, pensam que isso foi provado cientificamente, pois o estabelecimento de ensino fala como se isso tivesse sido provado. Mas a verdade é que nunca ninguém provou essa teoria.

A verdade é que há décadas que as famílias que optaram por "não escolarizar” os filhos ou por enviá-los para escolas como a Sudbury Valley School (que é, essencialmente, uma “não-escola”) têm vindo provando o contrário.

As crianças a quem são dadas ferramentas para a aprendizagem, incluindo acesso a várias outras pessoas com quem possam aprender, aprendem o que precisam de saber - e muito mais - através de brincadeiras e pesquisas que elas próprias iniciam. Não há prova absolutamente nenhuma de que as crianças que são enviadas para a prisão saem de lá melhores do que aquelas a quem são fornecidas as ferramentas e a permissão de as usar livremente.

Como podemos então continuar a racionalizar o facto de que mandamos as crianças para prisões? Julgo que o estabelecimento de ensino deliberadamente evita analisar com honestidade as experiências dos unschoolers e de escolas como Sudbury Valley porque tem medo do que iria encontrar. Se as escolas-prisões não são necessárias, o que aconteceria a este enorme empreendimento, que dá emprego a tanta gente e que está tão profundamente enraizado na nossa cultura?

Todas as tentativas de melhorar o sistema falharam, e nenhuma há-de ter sucesso até as pessoas enfrentarem a realidade: as crianças odeiam a escola porque na escola elas não têm liberdade. Na aprendizagem não há alegria sem liberdade.

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