Deparo-me todos os dias com a falta de respeito pelo outra na escola. Num primeiro plano, erradamente, virei-me contra a educação das crianças e do meio dificil onde vivem...mas ao viver estas problemáticas no dia a dia penso como resolver esta questão bem mais profunda do que pensava, como resolver a intolrência quando ela parte da própria escola, do seio dos seus trabalhadores? Como trabalhar o respeito pelo outro entre os alunos quando os exemplos são todos contrários ao que lhes mostro? A intolerância é mais do que uma expressão de violência, um seio onde germinam todas as outras formas de violência, fisica ou psicológica.
"O verbo "tolerar" é capicioso: tanto pode dar a entender a atitude de quem é tolerante, no sentido de paciente, compreensivo, aberto ao "normal", quanto pode dar a entender a atitude de suportamento, de alguém que se submeta a conviver com algo que lhe é avesso, mas não reage negativa e opositivamente.
Quando se discute a diversidade, em geral se discute, também, a tolerância. Fala-se em tolerância religiosa, em tolerância política, em tolerância sexual, em tolerância étnico-racial... Em suma, fala-se, quando do encontro com a diferença, diversidade, correlacionando-a com o sentimento de tolerância. Mas não se questiona a concepção de tolerância que aí está implítica. O que se pode ter, então, é o simples suportamento, sem uma ação positiva, pró-ativa, verdadeiramente construtora da inclusão e de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática.
A intolerância é umas das expressões da violência – entendida como a ruptura das relações harmoniosas, justas e fundadas no diálogo e no respeito ao outro. E por ser uma das formas da violência, há que se interpelar sobre suas implicações e as exigências para que a real tolerância seja efetivada, sobretudo nos meios escolares e/ou acadêmicos.
Françoise Hèritier, em seu artigo "O eu, o outro e a tolerância" (1999), coloca-se a interrogação de ser possível a intolerância para com os intolerantes. Afinal, se o intolerante mina os valores e os princípios da diversidade, da inclusão, se lhe for permitido (mediante a tolerância) que continue a vivenciar seus princípios e valores contrários à democracia, não se estaria permitindo que essa mesma democracia fosse vilipendiada?
A tolerância, portanto, exige uma "não-violência ativa", que fora apregoada por líderes como Gandhi, Luther King e outros. A tolerância aponta para o diálogo, a simetria das relações, o respeito mútuo, em que o outro é tratado como igual, apesar de suas idiossincrasias, especificidades, diferenças. Ser tratado como igual por sua humanidade e a exigência de respeito que a dignidade humana impõe a todo outro humano – o ser tratado, sempre, como fim e, jamais, como meio (como recomendava Kant).
Essa abordagem sobre a tolerância é importante para os tempos atuais, em que, a despeito do discurso da globalização, e sua inerente ruptura de fronteiras e o contato – muitas vezes forçado – com o diferente, ao contrário do que se poderia esperar, verificam-se os acirramentos da intolerância. Pode-se especular sobre as raízes da intolerância, manifestada em atitudes e ações violentas: seria o medo do diferente? Seria o receio de perder qualidade de vida e privilégios? Seria a pura e simples incapacidade de conviver com costumes diversos? Seriam o egoísmo e o etnocentrismo naturais, de pessoas e grupos homogêneos?
Aqui, todavia, não se quer discutir a tolerância (ou a intolerância) em toda a sua magnitude, mas restrita ao âmbito educacional – mais propriamente, escolar.
Até o momento em que a criança é encaminhada a uma instituição educacional – pensemos na primeira série do Ensino Fundamental – ela compartilha da cultura e, portanto, dos valores que aqueles mais próximos lhe incutem, contínua, ainda que assistematicamente. É certo que há uma modelagem feita pelos meios de comunicação. Não há que se descartar, todavia, que, mesmo os meios de comunicação de massa veiculam um padrão cultural forjado no modelo ocidental – que é, em verdade, o modelo espetaculoso norte-americano (e europeu), capitalista, neoliberal. Essa modelagem cognitiva imprime, na pessoa ainda em desenvolvimento, uma compreensão unívoca do mundo: padrões únicos de beleza, de valores (éticos, morais, culturais, econômico-financeiros...), de instituições, de significados... Enfim, uma compreensão do mundo como tendo apenas uma faceta, com o descarte ou a negação da diversidade.
Pode-se reconhecer que toda cultura, toda sociedade, todo grupo estabelece um padrão a partir do qual forja sua identidade, nem que seja pela oposição, pela diferenciação – os limites colocados pelas "fronteiras" do etnocentrismo, reforçado pelos estereótipos e preconceitos. A sociedade, o grupo, estabelecendo um padrão pelo qual os seus integrantes são reconhecidos, paradoxalmente, também estabelece padrões pelos quais se pode reconhecer o "Outro", o diferente, o estrangeiro, o alienígena – o alien, que não é um simples alter, representando, pois, uma ameaça.
Pois bem. As práticas educacionais focam, a despeito de toda a sua argumentação, a inserção – de maneira competente – de um indivíduo à sociedade à qual pertence ou deve pertencer. Os objetivos expressos nas várias legislações escolares (sobretudo a Lei 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) apontam o desejável como resultado do processo educacional: a aquisição de capacidades, habilidades, competências, sejam cognitivas, sejam instrucionais, sejam sociais, sejam relativas à cidadania. É aí que alguns dilemas se colocam.
Primeiro. A instituição escolar deve, sim, formar os futuros cidadãos de um país, e para isso deve ensinar-lhes a História do país, a Geografia do país, a língua e a Literatura do país. É certo que esses conteúdos não são passados de maneira neutra, mas veiculam, juntamente, valores alinhados com os recortes privilegiados da história, das localizações geográficas, os textos literários, dentre outros recursos.
Segundo. Formar o cidadão não significa, tão-somente, formar a pessoa cumpridora de normas – o célebre mote de que ser cidadão é cumprir os deveres e exigir os direitos. Sobretudo, porque em tempos de globalização se retoma o conceito de "cidadão do mundo" – o cosmopolita. A cidadania, hoje, é uma cidadania transnacional – que alguns pensadores designam de cidadania pós-nacional (fundada em um patriotismo constitucional). Ser cidadão, hoje, não se resume em ser um cidadão patriotia, fechado sobre os benefícios de seu país, apenas.
Portanto, o que se encontra em jogo é o dilema entre a "mesmidade" – a singularidade – e a multiplicidade, a diferença, a diversidade. Entre formar pessoas com visões (valores, culturas) semelhantes e pessoas abertas à diferença, capazes de conviver com a alteridade. E isso é ir além da tolerância: é ir além da mera suportação, da mera passividade.
A educação, em seu ápice, deve focar a formação para a democracia, o que significa a formação para o diálogo, a discussão sobre as regras que regulam os processos decisórios. A formação para a democracia deve permitir a compreensão de que a democracia radica-se no processo e, não, meramente no resultado. A democracia não se impõe, mesmo com a melhor das intenções. O espírito democrático é aquele que convive com as decisões dolorosas de um processo participatipo, onde todos tiveram a possibilidade de expor seus pontos-de-vista.
Daí que a democracia não pode ser "ensinada" em sala-de-aula, mas tem de ser "vivenciada" nas práticas escolares. É quando se destaca o princípio da tolerância, forjado de acordo com o modelo da terceira postura referido acima, a postura mais difícil, que solicita o reconhecimento de que a verdade pode estar fora de nós, pode estar no outro.
O mais exigente da democracia é essa abertura ao outro, a capacidade de conviver com a diferença, tentando enxergar aquilo que essa diferença tem de melhor e que possa contribuir para o bem maior da maior parte dos envolvidos em uma dada situação.
Essa prática é a maior tarefa que a escola pode se colocar. Essa prática subverte muitas das convenções e posturas vigentes nos modelos educacionais hodiernos.
A falta de abertura e "tolerância" (conforme o indicado na terceira postura) é um foco de violência: por parte dos instalados, que se recusam à inclusão da diferença; por parte dos excluídos, que buscam, a todo custo, seu reconhecimento.
Elaborar projetos inclusivos, planos que contemplem a diferença, processos que se pautem pela dialogicidade são alguns dos meios para se implantar a democracia em sala-de-aula, para além da tolerância concebida como suportação, ou passividade (como citado).
Algumas escolas já estão elaborando propostas nesse sentido, cientes de que estabelecem uma ruptura com um modelo individualista, egocêntrico, competitivo, hedonista, utilitarista, onde o que importa é o indivíduo, sua vontade, ser o primeiro a qualquer custo, o prazer pessoal e a consideração dos outros seres a partir daquilo que podem contribuir para o projeto pessoal.
Escolas em que a comunidade é atuante e voz importante nas tomadas de decisão. Escolas em que a comunidade educativa discute os pontos principais, da disciplina aos conteúdos disciplinares. Escolas que contemplam intervenções na região onde estão situadas, melhorando a vida interna e externa aos muros instituiconais.
Esses modelos escolares rompem com a tradição de que a escola é um mundo à parte. Que encontra seu modelo extremo em escolas enclausuradas a tal ponto que o "outro", o diferente, sobretudo oriundos de classes menos favorecidas, são referidos como exóticos, com os quais não se têm contato, com os quais não se partilha o mundo.
Retomando Hèritier, se não existe ou não deve existir tolerância para os intolerantes, a escola democrática não pode compactuar com modelos excludentes, discriminatórios, qualquer que seja a natureza dessas atitudes.
Essas reflexões merecem ser continuadas."
fonte: http://www.webartigos.com/articles/2773/1/educacao-e-tolerancia/pagina1.html
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