Artigo publicado no I sobre a liberdade dos pais e educadores na escolha da escola.
Portugal está no grupo (minoritário) de países europeus onde os pais não têm qualquer palavra a dizer na escolha da escola dos filhos. Partilha o mesmo comboio com França, Grécia, Malta, Chipre, Luxemburgo, Turquia e Lichtenstein. Esta é uma conclusão da Comissão Europeia apresentada num estudo intitulado "Dados relevantes sobre a educação na Europa", edição 2009. Na opinião de Roberto Carneiro, "qualquer pai deve ter a possibilidade de escolher a escola dos filhos". Mas em Portugal, essa liberdade ou não existe ou está apenas ao alcance de alguns. "Isso constituiu uma violação da Constituição e tem grande impacto nas liberdades fundamentais de aprender e ensinar", considera o antigo ministro da Educação do PSD. A Constituição da República Portuguesa estabelece que o Estado tem a obrigação de garantir a liberdade de aprender e de ensinar nas escolas (art. 43º, nº1) e a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem refere a preferência dos pais na escolha da educação a dar aos filhos. Mais, a lei portuguesa também impõe a gratuitidade do ensino. Letra de lei que, de acordo com vários especialistas em educação contactados pelo i, não tem tradução na prática. "Uma coisa é o Estado oferecer escolas, o que deve e tem de ser feito. Outra coisa é impor escolas. Hoje em dia, o Estado só garante a gratuitidade nas escolas que entende. Monopoliza a gratuitidade", afirma Mário Pinto, presidente da mesa da Assembleia Geral do "Fórum Liberdade de Educação".
Actualmente, a colocação dos alunos nas escolas primárias e secundárias públicas obedece a três critérios: dois geográficos - área de residência ou área de trabalho dos pais, ou o chamado zoneamento e um de preferência, no caso de familiares (irmãos) frequentarem a escola onde o aluno se quer matricular. Quanto à colocação em escolas privadas, estão em jogo apenas as regras básicas da oferta e da procura: haja vagas e dinheiro para as pagar. "É um tema de grande delicadeza técnica e exige que se assumam riscos. Acho que esta seria a altura ideal para discutir o assunto por estarmos na véspera de uma campanha eleitoral", defende o ex-ministro da Educação do Partido Socialista, Marçal Grilo.
Poucos duvidam que a introdução de um maior grau de liberdade de escolha teria grandes impactos no sistema educativo. Para o bem, diz a direita, ou para o mal, sublinha a esquerda.
"É um conceito teoricamente engraçado. Mas quem é que vai ter, de facto liberdade de escolha?", questiona o deputado socialista Luís Fagundes Duarte. A tónica da iniquidade percorre o argumentário de toda a esquerda parlamentar: "Vão ser os mais ricos ou os melhores alunos a ir para as melhores escolas?", pergunta o comunista Miguel Tiago; ou "Quem passaria a seleccionar os alunos era a própria escola e isso conduz a uma selectividade social no ensino público", afirma a bloquista Ana Drago. Há poucos pontos de convergência à esquerda, mas este é definitivamente um deles.
A "guetização" das escolas é um dos argumentos mais utilizados para contrariar a liberdade de escolha da escola pública. Talvez por isso Ana Drago desconfie dos méritos da liberdade associada à escolha da escola : "A direita nunca conta a história toda: a liberdade é sempre encantadora mas neste ponto é enganadora." E qual é a história que a direita conta? "A liberdade de escolha dos pais para a escola dos filhos tem de ser total porque ser colocado na escola da área de residência é muito limitativa inclusivamente para a qualidade do ensino", diagnostica Abel Baptista. Na opinião do deputado do CDS-PP, "um dos partidos que mais tem lutado pela liberdade de escolha dos pais", com o actual sistema as escolas não têm de fazer qualquer esforço para receber os alunos e as dotações do Estado. "Seja boa ou má, sabe- -se que os alunos da sua área de residência caem lá." A escola pública não está sujeita ao risco nem à competitividade e por isso tem poucos incentivos para melhorar. Quanto à questão da "guetização", o problema para Baptista coloca-se precisamente no sentido inverso: "Neste momento não há liberdade de escolha e já há segregação. Essa segregação poderia ser combatida com a introdução de critérios de liberdade que permitiriam a mobilidade e dinamismo social". Mais do que a liberdade de escolha da escola, está também em causa, como sublinha Mário Pinto, a liberdade dentro da escola: "Liberdade pedagógica das escolas? Nada. Liberdade das escolas contratarem o seu próprio corpo docente? Nenhuma. Temos um sistema rígido, centralizador e burocratizante."
Pais e professores E o que pensam os pais desta questão? Para já, os critérios de residência, área do local de trabalho dos educadores e preferência caso um irmão já tenha frequentado a escola dão espaço de manobra para contornar a lei. "Todos os pais são encarregados de educação mas à medida que se vai avançando nos anos escolares nem todos os encarregados são pais, muitos são avós." Albino Almeida, da CONFAP, resume assim uma situação corrente: muitos pais dão a morada dos avós e outros familiares, ou mesmo de um amigo, para que os filhos possam frequentar a escola que preferem. Há até quem vá mais longe: o caso de um estudante que fez um novo BI, alegando tê-lo perdido, para poder "legalmente" alterar a morada e assim concorrer à escola que queria, ficando com dois BI até que um caducasse.
Escapar aos critérios culmina num problema: "No litoral há escolas com 170, 140, 130% de ocupação e outras que não chegam aos 100%", afirma Albino Almeida. No Interior verifica-se o oposto: "Os pais do Interior não podem escolher porque não têm mais oferta." Para o presidente da CONFAP a decisão da escolha de uma escola baseia-se em critérios subjectivos - "a escola A ou B é melhor porque o amigo diz que é melhor". "Não há divulgação dos projectos educativos das escolas e é isso que é importante na hora de escolher." Os projectos educativos são os objectivos das escolas, para além do que diz respeito ao currículo, como, por exemplo, as áreas querem apostar - dança, teatro, música, desporto, ciência - e, a partir daí, os pais podiam escolher as escolas em função da vocação dos filhos.
A questão da liberdade de escolha parece condenada a voltar sempre ao que divide esquerda e direita: "Quem tem dinheiro procura o ensino privado porque pensa que é melhor, o que nem sempre corresponde à verdade, mas que tem mais ofertas extracurriculares", diz Albino Almeida.
João Grancho, presidente da Associação Nacional de Professores, afirma que a liberdade de escolha é um "direito que está na Constituição e na lei de bases do sistema educativo. Mas a "operacionalização é difícil seja por posição política seja por uma questão prática". Para o professor a possibilidade de escolha deveria ser dada aos pais e também aos professores. "Não é só liberdade de onde se quer aprender mas também onde se quer ensinar." O princípio da liberdade de escolha é "desejável e salutar" e o Grancho afirma mesmo que desta forma poderia imaginar-se as escolas através de uma lógica de mercado: "Assumir que toda a rede pública e privada se integre na lógica de oferta global e concorrencial poderia melhorar as próprias escolas". O professor admite a possibilidade de "exclusão", devido aos critérios de entrada nas escolas, mas os "benefícios para as famílias e a melhoria no desempenho organizacional das escolas" superariam o argumento da segregação. Apesar da acesa discussão entre esquerda e direita, João Grancho lamenta: "Esta discussão nunca foi introduzida de forma séria por nenhum partido e nenhum governo assumiu esta discussão como sendo prioritária." Com Sílvia Caneco
fonte:http://www.ionline.pt
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